A proximidade do dia dos namorados nos faz refletir sobre como pessoas com Transtorno do Espectro Autista vivenciam os relacionamentos amorosos ou ainda, será que vivenciam?
A resposta é sim! A pessoa com TEA pode namorar, se apaixonar, casar e também manter relações sexuais. Eles possuem desejos e necessidade de expressar seus sentimentos e afetos de modo singular e único como qualquer outro ser humano. Acima de qualquer aspecto, eles têm o direito (garantido pelo artigo 23 da Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência) de sentir, sonhar, se expressarem e vivenciarem as suas questões afetivo sexuais de maneira saudável e sem que sejam julgados ou ignorados.
Nas últimas décadas, as pesquisas a respeito do TEA e suas implicações têm aumentado substancialmente e dia após dia passamos a adquirir maior conhecimento a respeito das especificidades desses indivíduos. Porém, estudos em torno da sexualidade do autista (aspecto não menos importante) ainda são menos explanados pela comunidade científica e apresentam diversas lacunas.
A sexualidade por si, muitas vezes, continua sendo um tabu na nossa sociedade. Ao se tratar de pessoas com deficiência, e particularmente de pessoas com TEA, que apresentam características marcantes como dificuldades em reconhecer e expressar emoções/sentimentos e nas interações sociais, os questionamentos e angústias se amplificam. Comumente, nos deparamos com “teorias” (senso comum) infundadas por parte da sociedade, nas quais a afetividade/sexualidade de pessoas com TEA são invisibilizadas e, por vezes, infantilizadas, como se eles fossem limitados ou até mesmo incapazes de demonstrar emoções ou como se simplesmente não tivessem sentimentos.
De fato, muitas pessoas com autismo desejam e mantêm relacionamentos duradouros. Segundo a pesquisadora Jessica Penwell Barnett (professora assistente de estudos de sexualidade do Programa Estudos sobre Sexualidade, Gênero e Mulheres da Wright State University, em Dayton, Ohio) “não há incompatibilidade em estar no espectro e estar em um relacionamento romântico, estar apaixonado, ser parte de um compromisso”.
Alguns achados da literatura estimam que 47% dos adultos com TEA compartilham a sua casa e a sua vida com um parceiro romântico. Essas pesquisas também apontam que existem muito mais pessoas com autismo que desejam relacionamentos românticos do que aquelas que de fato os alcançam, uma vez que características como pensamento rígido, a ansiedade, dificuldade em decodificar emoções de si mesmo e do outro e déficit nas interações sociais, podem criar barreiras ao namoro, ao sexo e aos relacionamentos.
Diante disso, é de fundamental importância que vejamos as pessoas com TEA como eles realmente são e permitamos que eles dêem vazão às suas expressões, uma vez que possuem o direito de vivenciarem, experimentarem e conhecerem os aspectos físicos, afetivos e sociais de si e do outro. Em especial os profissionais de saúde, é de extrema importância compreender questões sobre sexualidade e relações afetivas quando se trata de pessoas com TEA, uma vez que tudo isso faz parte de suas vidas, assim como de qualquer outra pessoa e é dever dos profissionais intervirem de maneira a auxiliarem jovens e adultos com TEA a vivenciarem plenamente esses aspectos tão importantes na vida de qualquer indivíduo.
Faz-se necessário que cada um de nós nos libertemos dos nossos “pré conceitos” e do modelo infantilizado frente à sexualidade e afetividade das pessoas com deficiência, para assim proporcionarmos uma vida com qualidade, os auxiliando a desenvolver as transformações necessárias de maneira adequada e com respeito às singularidades de cada um.
Referência
Barnett JP, Maticka-Tyndale E. Qualitative Exploration of Sexual Experiences Among Adults on the Autism Spectrum: Implications for Sex Education. Perspect Sex Reprod Health. 2015;47(4):171‐179. doi:10.1363/47e5715
Sobre a autora:
Maria Angela Gobbo (CRP: 06/69425)
Psicóloga e Supervisora Clínica, Sexóloga e Pesquisadora. Especialista em Psicoterapia Clínica Comportamental e Cognitiva (USP), em Dependência Química (EPM/Unifesp) e em Terapia Sexual (UNISAL). Colaboradora do Prodath (Programa de Déficit de Atenção no Adulto), do IPq-HC-FMUSP.