Autora: Lívia Aureliano
(Texto adaptado da tese de doutorado da mesma autora)
O tema “autismo”, nos últimos anos, ganhou notoriedade nos meios de comunicação e mídias sociais, dando a impressão de que hoje existem mais crianças com autismo do que antigamente. Um dos prováveis motivos que fez com que o número de diagnósticos tenha aumentado foi o avanço nos critérios diagnósticos do autismo, a partir da publicação do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, o DSM V, em 2013, agrupando várias síndromes que eram diagnosticadas separadamente. Síndrome de Asperger, Autismo Clássico, Transtorno Desintegrativo da Infância e Distúrbio Global do Desenvolvimento sem outra especificação (PDD-NOS) passaram a ter apenas uma denominação: Transtorno do Espectro Autista (TEA), sendo dividido por severidade (leve, moderado ou grave). Com os novos critérios, buscou-se obter diagnósticos mais precisos e, consequentemente, tratamentos mais adequados.
Sabe-se que, dentre as terapêuticas utilizadas para o tratamento do autismo, a que tem sua eficácia cientificamente comprovada é a terapia que utiliza os princípios da Análise do Comportamento Aplicada, conhecida popularmente como terapia “ABA” (do inglês Applied Behavior Analysis). O trabalho feito pelos analistas do comportamento aplicados são indicados e endossados pela Academia Americana de Pediatria, assim como é o único tratamento financiado pelos cofres públicos americanos (Schneider, 2013).
O autismo é um transtorno do desenvolvimento que engloba prejuízos em duas áreas: comunicação social e comportamentos “fixos” ou repetitivos. Portanto, o autismo passou a ser considerado um espectro, fazendo referência à ampla variabilidade de comportamentos afetados e às grandes diferenças nos repertórios dos indivíduos (M. M. C. Hübner, Sousa, Tardem & L. Hübner, 2018).
As mudanças nos critérios diagnósticos para o autismo tiveram um efeito importante sobre o número de crianças que passaram a ser diagnosticadas com TEA. Segundo os dados do Centro para o Controle e Prevenção de Doenças (agência do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos) publicados nesse ano de 2020, o número de diagnósticos continua crescendo em todas as classes, raças e etnias, com uma prevalência de 1 criança a cada 54, o que representa um aumento de 10% (Paiva Júnior, 2020). Um estudo brasileiro de 2011 (Paula, Ribeiro, Fombonne & Mercadante, 2011) aponta para 2,7 casos a cada 1000 nascimentos. Hübner, Sousa, Tardem e Hübner (2018) destacam os números alarmantes, principalmente considerando-se o baixo número de profissionais brasileiros formados e especializados em Análise do Comportamento Aplicada, e o tempo necessário para a formação desse profissional para o atendimento às crianças no espectro autista.
Em linhas gerais, o procedimento utilizado para o tratamento das crianças se inicia com uma avaliação do seu repertório, a partir de alguns protocolos de avaliação como, por exemplo, o Verbal Behavior Mapp, de Sundberg (2008). Após a avaliação, são elaborados programas de ensino para comportamentos, tais como: comunicação vocal e não vocal, leitura, habilidades matemáticas, autocontrole etc. (Hübner, et al., 2018). O ensino se inicia com as tarefas consideradas pré-requisitos, que costumam ser as mais simples e com muita “ajuda”, e continua em uma sequência até que a criança consiga executar a tarefa sem ajuda, habilitando-a a aprender habilidades mais complexas. Trata-se, portanto, de um ensino contínuo e em pequenos passos, produzindo, no entanto, um ritmo acelerado de aprendizagem.
Muito se tem estudado sobre os tratamentos mais eficazes e suas principais características, mesmo nos protocolos baseados na Análise do Comportamento. A partir dos resultados do estudo de Lovaas (1987), foi considerado como tratamento eficiente aquele com 40 horas de atendimento semanais. Atualmente esse tratamento é conhecido como Tratamento Precoce Intensivo. No entanto, mais recentemente, pesquisas têm mostrado que esse número de horas pode ser diminuído e outras estratégias podem ser incluídas, como o Behavioral Skill Training (BST). O BST é um pacote utilizado para ensinar a profissionais e pais alguns procedimentos utilizados ao longo da terapia, composto por quatro componentes: (1) instrução explícita sobre conceitos da análise do comportamento e sobre os comportamentos-alvo; (2) modelação; (3) prática dos comportamentos-alvo e (4) feedback do desempenho dos participantes no comportamento-alvo (Faggiani, 2014). Segundo Hübner et al. (2018), pesquisadores têm buscado verificar quais componentes do BST são mais efetivos e já há dados de pesquisas que mostram que ensinar pais é um modo viável e útil para ampliar a aplicação dos procedimentos e pessoas com TEA.
O TEA tem sido alvo de muito estudo científico e muitos avanços têm sido feitos, tanto no que diz respeito ao diagnóstico, quanto à intervenção. Na área social, esforços têm sido feitos na tentativa de tornar cada vez mais pública as principais características do TEA, as necessidades de inclusão dessa população e o respeito às diferenças. Não há dúvidas de que a informação, objetiva, clara e correta é a principal ferramenta na tentativa de trazer à luz essa população que, há muito tempo, existe e que precisa de voz, para que seus direitos sejam respeitados.
Lívia Aureliano
Psicóloga. Doutora em Análise do Comportamento. Diretora do TatuTEA Intervenção Comportamental.
Referências
Aureliano, L. F. G. (2018). O uso da Análise de Sistemas Comportamentais para o aprimoramento dos serviços prestados pelo Centro para o Autismo e Inclusão Social (CAIS-USP) (Tese de Doutorado). Instituto de Psicologia: Programa de Psicologia Experimental. Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil.
Faggiani, R. B. (2014). Análise de componentes de um tutorial computadorizado para ensinar a realização de tentativas discretas (Tese doutorado). Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil.
Hubner, M. M. C., Sousa, M. V. A. de B., Tardem, M. F., & Hübner, L. (2018). Terapia comportamental para autismo: análise do comportamento aplicada. In Psicologia clínica da graduação à pós-graduação. Rio de Janeiro: Atheneu.
Lovaas, O. I. (1987). Behavioral Treatment and Normal Educational and Intellectual Functioning in Young Autistic Children. Journal of Consulting & Clinical Psychology, 55, 3-9.
Paiva Júnior, F. (2020). Prevalência de autismo nos EUA sobe 10%: agora é 1 para 54. Revista Autismo (www.revistaautismo.com.br).
Paula, C.S.; Ribeiro, S.H.; Fombonne, E., & Mercadante, M.T. (2011). Brief Report: Prevalence of Pervasive Developmental Disorder in Brazil: A Pilot Study. Journal of Autism and Developmental Disorders, 41:12, 1738–1742
Schneider, S. M. (2013). The Science of Consequences. New York: Prometheus Books.
Sundberg, M. L. (2008). VB-MAPP Verbal Behavior Milestones Assessment and Placement Program: a language and social skills assessment program for children with autism or other developmental disabilities. Guide. AVB Press.