No dia 17 de maio é celebrado o Dia Internacional contra a Homofobia. Nesta data no ano de 1990, a OMS aprovou a retirada da palavra homossexualismo da Classificação Internacional de Doenças declarando então que a homossexualidade não constitui doença, distúrbio ou “perversão”. Essa conduta já foi um grande avanço no que tange a luta por direitos humanos em relação a diversidade sexual e o combate a violência e o preconceito, porém a homofobia ainda é bastante presente e constante no Brasil.
De acordo com os dados do GGB (Grupo Gay da Bahia) publicados em abril de 2020, as mortes violentas na população LGBT cresceram absurdamente nos últimos 20 anos: 130 homicídios no ano de 2000, 260 em 2010 e aumentou para 398 nos últimos três anos.
Com esse cenário, podemos presumir a ansiedade, o sofrimento e o medo constantes na vida da pessoa que sofre homofobia. Agora, considere alguém que, além de sofrer cotidianamente essa discriminação, também apresenta dificuldades para se expressar, compreensão restrita dos códigos sociais e prejuízos no contato social. Preocupante, não?
Como se sabe, o Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um transtorno do neurodesenvolvimento cujas características principais são déficits na comunicação verbal e não verbal, nas habilidades/interações sociais e interesses e/ou comportamentos restritos e repetitivos. Esses déficits, somados a hipersensibilidade sensorial encontrada em grande porcentagem das pessoas com TEA, trazem diferentes prejuízos no desempenho social, pessoal e afetivo/sexual.
É importante ressaltar que o indivíduo autista se desenvolve física e sexualmente de acordo com os estágios de desenvolvimento das crianças ditas neurotípicas. Na puberdade, se evidencia mudanças corpóreas e hormonais, tais como menstruação e surgimento dos pelos, bem como passam a apresentar maior curiosidade, sensações corporais e desejo sexual. Nessa fase, também surgem os questionamentos relacionados à identidade e orientação sexuais. Diversos estudos realizados com a população com TEA têm mostrado uma significativa porcentagem de pessoas LGBT nessa comunidade. Um estudo australiano, publicado em 2018, apontou taxas maiores (69,7%) de homossexualidade, bissexualidade e assexualidade no grupo com TEA, enquanto o grupo sem TEA apresentou a taxa de 30.3%*.
Diante da ideia da não-heterossexualidade ser mais prevalente nessa população, somada as limitações e dificuldades advindas do TEA, a preocupação de profissionais da saúde, pais e professores aumenta substancialmente: o autismo já traz dificuldades diversas e, sendo homo ou bissexual, as condições de vulnerabilidade e sofrimento são consideravelmente aumentadas inclusive pela “exposição” que muitos acabam se colocando, já que não conseguem identificar padrões sociais “esperados”.
As limitações já existentes impedem que eles consigam acompanhar as demandas sociais exigidas, além de inúmeras vezes eles se expressarem através de comportamentos sexuais inapropriados ou não compreendendo o valor do contexto da interação afetiva.
A dificuldade de identificar as emoções, de inferir intenções do outro, de autocuidado e avaliação do perigo, acompanhadas por certa rigidez frente às convenções sociais, os tornam mais suscetíveis à discriminação, preconceito e violência física ou verbal (bullying). É importante destacar também que, frente a nossa sociedade intransigente, insensível e homofóbica, autistas LGBTs ficam exponencialmente expostos ao risco real de sofrerem abuso sexual.
Em suma, ser autista e homossexual/bissexual significa passar por dor (emocional e física), preconceito e discriminação de modo redobrado. Mais do que nunca, além do reconhecimento da existência da sexualidade dos autistas (invisível na maioria das vezes), deve-se permitir que a pessoa com TEA exerça seu direito de vivenciar seus próprios aspectos sexuais, proporcionar educação sexual, inclusive como ferramenta de autocuidado, combater a homofobia e qualquer tipo de preconceito e, acima de tudo, respeito!
*https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/29159906
** Denúncias podem ser feitas também pelo 190 ( Polícia Militar) e pelo Disque 100 (Departamento de Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos).
Sobre a autora:
Maria Angela Gobbo (CRP: 06/69425)
Psicóloga e Supervisora Clínica, Sexóloga e Pesquisadora. Especialista em Psicoterapia Clínica Comportamental e Cognitiva (USP), em Dependência Química (EPM/Unifesp) e em Terapia Sexual (UNISAL). Colaboradora do Prodath (Programa de Déficit de Atenção no Adulto), do IPq-HC-FMUSP.